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- A noite se aproxima. Vamos resolver isso, juntos – falou Sabbath olhando para eles como tinha feito no início da manhã ao colocar a mão na maçaneta do Posto. Eram os mesmos que estavam no pé da montanha? Não. Tinham perdido coisas e revelado outras. Eram outros agora, um grupo de verdadeiros atormentados dessa vez. 

Em pouco tempo alcançaram a porta encostada da mansão. Passaram pela Bomba e Xamã sabia que nunca mais teriam que se preocupar com Cream depois de descerem sãos e salvos. 

A altura do hall e seu grande lustre mostraram o luxo do qual Cream provavelmente desfrutou durante sua vida inteira, se olharam no reflexo do chão e viram suas aparências quebradas os olhando de volta, julgando as escolhas que fizeram. 

- Foi por lá que eu entrei – disse Viratempo apontando para a porta que levava ao cemitério - eu não lembro de nada depois de entrar... 

Saíram do hall e entraram na biblioteca, no outro lado dela havia a saída ao cemitério HendrixXamã é o primeiro a passar pela porta do escritório... 

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- Então ele está... – tenta dizer Makalister, olhando pela porta para a carcaça putrefata. 

- Morto. Cream está morto – falou Sabbath apertando seus punhos – Nem ficar vivo ele conseguiu! 

O que a gente faz agora? – falou Xamã – Parece que alguém matou ele. Será que a família decidiu apagá-lo? 

- É uma das opções – disse Viratempo  será que algum dos outros que achamos na montanha não mataram ele? 

Impossível – falou Makalister  não teria razão para eles se manterem aqui se tivessem o traído. Lembrem-se de toda a coisa com o Um. Tem que ter algo a ver. 

Tornaram-se em um silêncio estranho, tentando juntar os pedaços do quebra-cabeça mórbido de suas vidas. 

Sabbath olhou para o fundo do hall e viu a lareira com mais calma. Era uma cópia exata da lareira do Posto! 

Desgraçado. Tem que ter algo a ver né? – disse Sabbath, deixando sua voz ecoar na vazia mansão. 

Chegou perto da lareira e os outros o seguiram, menos Viratempo, que olhava diretamente para o fogo. Os outros três se aproximaram do outro lado do local enquanto ele ali ficou, estagnado, como se algo o prendesse no chão, o prendesse dentro do próprio corpo. 

Está na hora. 

Sem que ele quisesse, seu pé se mexeu. 

“O QUÊ?!” 

Você não deve estar entendendo certo? Esqueci que eu havia apagado sua mente, estar morto há tanto tempo faz essas coisas. Deixe-me ajudá-lo a lembrar. 

Como se fosse uma grande rajada de vento, as memórias de quando entrou em Soundgarden voltaram para ele. Ao se lembrar, quis gritar o mais alto que pudesse para que eles fossem embora, para que esquecessem do passado e seguissem em frente. Mas não pode, não pode fazer nada. Ao ver o símbolo no diário, seu destino já havia sido selado. Viratempo se tornara o novo receptáculo dele. 

William Gibson Cream. 

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- O que você está procurando Sabbath? 

- Eu não sei, mas eu juro que essa lareira é parecida com a do Posto, ou a do Posto é "igual" a essa e por alguma razão tenho certeza que isso não é coincidência. 

Sabbath e Makalister olhavam minuciosamente para os detalhes dela. 

Por alguma razão o design lhe parecia Pré-Visceral, sendo diferente de toda a mansão. Com entalhes estranhos e não euclidianos, certa curiosidade infectou os dois, jurando que a lareira guardava alguma coisa a mais do que apenas o fogo que tilintava no interior dela. Talvez não foram tragados pela do Posto porque não tinham todo o conhecimento que iriam adquirir ao subir a montanha, não tinham a premissa de um louco já morto que arquitetara um ambicioso plano do qual eles eram os peões. 

Repetindo o que tinha feito no pé. Ela se abaixa e vê algo para além do fogo. 

Uma alavanca. 

- Mostre-me. 

Tornou seus olhos vermelhos e seu braço negro novamente e atravessou o fogo, ativando-a. 

Um pequeno ranger começou em um dos lados, como se fosse um grupo de ratos correndo pelas paredes, depois uma forte vibração alcançou os pés dos três. O ranger cresceu estridente e alto, ecoando nas paredes e janelas do topo da Montanha Negra. 

A lareira em si, caminhou para trás alguns longos centímetros antes de se virar e entrar na parede de um túnel. 

Uma escada, antiga e imutável, descendo até os confins da escuridão do mundo, degrau após degrau. 

Por instinto humano, Sabbath sentia que se quisessem se manter com a ideia de os quatro juntos saíssem vivos daquele local, tinham que dar as costas e correr, correr o mais rápido que podiam para longe de Soundgarden. Mas sua raiva e determinação contra Cream que tinha deixado eles sem nenhuma resposta falava muito mais alto que qualquer outra voz em sua cabeça. Em sua frente jazia o que poderia ser a resposta, o que poderia ser o último inimigo que se mantinha escondido. 

- Vamos. 

E assim começaram sua descida, tão preocupados com o que encontrariam que não perceberam Viratempo, caminhando lentamente no centro do hall, tentando fugir de sua prisão mental enquanto sentia Cream lentamente tomar controle de seu corpo. 

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