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A primeira a acordar foi Makalister, cutucou Sabbath para sair de cima dela, os dois levantaram e deixaram Xamã descansar mais um pouco. Sabbath pegou sua mochila que tinha jogado perto de uma das construções e encontrou gravetos secos para fazer uma fogueira. A Bloodmancer cortou algumas pequenas árvores e as dividiu para queimar, pediu para Sabbath a ajudá-la levando tudo para dentro da “casa” que estavam. Uma das únicas em Stardust que possuía um teto e havia duas janelas sem vidro na grande sala composta de pedras. 
Makalister fez uma faísca e os gravetos se decomporam rapidamente, os dois se encostaram nas paredes e esperaram o fogo fazer efeito. 
Deus, como Makalister sentia falta do calor, conseguia sentir seus ossos com cada movimento que fazia, a garganta fria ficando cada vez pior e os lábios lentamente se recuperando das rachaduras. Só precisava de um pouco de calor como teve no monastério, só mais um pouco e aguentaria até a mansão. Em alguns minutos a fogueira finalmente a esquentava. Olhou para Xamã e pensou o quanto ele estava cansado. E no que ele poderia estar sonhando. 
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Abriu os olhos e sentiu uma forte brisa, era fria, mas não ameaçadora, notou que estava sentado em um banco macio de couro e que sua cabeça se recostava no ombro de alguém. Esse era ViratempoOlhou para fora e viu uma paisagem que nenhum tipo de ação humana poderia criar ou até mesmo destruir, um eterno pôr do sol de uma estrela jovem e um céu rosado pintado de infinitas estrelas andavam no horizonte. Estava em um carro. Reconhecia o modelo, um Escorth ZR4 conversível branco com uma linha vermelha perto das saias laterais, parecido com um que ele guardava dinheiro para comprar. Estava no banco de trás e no seus pés haviam latas de refrigerantes e cervejas geladas, pegou uma Honoken, abriu-a e tomou um gole. No passageiro estava Makalister sorrindo, notou que no rádio tocava uma música do ano de 2018 chamada Summer Time High Time e logo percebeu que estava em um sonho, no volante viu Sabbath, com uma afeição feliz e com óculos pretos. Makalister levantou no banco e seu curto cabelo esvoaçante brincava em sua cabeça, ela virou sua face para Xamã e ele viu que a íris de seus olhos brilhavam um laranja neon. Viratempo também estava assim. Pela primeira vez em muito tempo não sentia dor nenhuma, seu corpo estava perfeito e nada o aflingia. 
“Seria isso... O -“ 
Ele abriu seus olhos rapidamente e todas as dores voltaram, sentiu um calor agradável e viu que Makalister o fitava. Tinha acordado e ainda estava na montanha. Tentou se levantar mas sua mão não estava ali para ajudá-lo. De volta ao inferno. 
- Bem-vindo de volta. Melhor? – perguntou ela, estendendo na direção dele um tipo de ração militar. 
Pode-se dizer que simVocê é de alguma Organização Privada? Aquele tipo de combate... Você não se formou apenas na Igreja certo? – Falou Xamã comendo a ração, tinha gosto de bife alho e óleo. 
- Não. Não me formei apenas na Igreja, faço parte de uma divisão de Pesquisa de Campo do Instituto. 
- Uma culter... – Nunca achou que veria uma de verdade em sua frente. Bastante conhecidos no mundo da afinidade, os Culters são Bloodmancers que trabalham com o governo em busca de impedir outros afinados cultistas de invocar algum grande mal antigo ou alcançar certo poder divino. 
- É. Sou. Vamos fazer uma troca de informação? Você me diz o que trocou e eu te digo o que troquei. O que acha? 
Darkmancer estava surpreso, o ato de revelar suas trocas para outro era algo bastante íntimo e em grande parte dos casos se acontecesse era porque esse afinado tinha a total intenção de matar a outra pessoa. 
- Eu troquei minha habilidade de expressar tristeza, memórias esparsas da minha juventude e o tato dos meus pés - Xamã não desperdiçou um segundo sequer, depois de tudo que havia passado, ele precisava conhecê-los melhor. 
Makalister ficou vermelha. 
- B-bom... Se é assim, eu troquei minhas pernas e um de meus olhos – ela não pensou que ele fosse responder tão rápido. 
- Isso explica apenas um olho mudar... – alguns segundos digerindo a informação, Xamã decidiu focar nas coisas importantes – Vocês me disseram que sabem sobre a Mão Áurea e Altamira, como? 
Tinhamos teorias. Tudo isso graças ao monastério – respondeu Sabbath – encontramos um monge Darkmancer, ele nos capturou, mas conseguimos machucá-lo e ele desceu montanha abaixo. Lá, ela achou um diário de um Padre que falava sobre a vinda do Um e sobre certos bispos e estudiosos que tinham entrado nas entranhas da montanha. Depois achamos uma foto de um retornado vestido de padre e outra com a Mão Áurea. Você disse que o Bloodmancer tinha roupas de padre certo? 
- Sim. Provavelmente era pré-Visceralidade. 
Então só podia ser ele, só podia ser o Padre Teixeirinha. 
- O que mais me incomoda nesta história é porque eles teriam revivido ele. Não faz sentido, é muito trabalho para praticamente nada – falou Makalister. 
Obstáculo – falou Xamã – eles fizeram tudo isso para ser mais um obstáculo... 
As peças começavam a se encaixar para o DarkmancerTerminou seu pensamento em voz alta: 
Bloodmancer se chamava Djonga. E eu consegui fazê-lo me responder três perguntas. 
- O que você descobriu? 
Um calafrio correu o corpo dele e seu cabelo negro longo parecia tremer como um canal fora do ar. 
Ao redor da Mão Áurea tinha quatro mesas de pedra cobertas de um sangue putrefato e coagulado, eu comecei a ouvir uma voz e eu tenho quase plena certeza que se eu não tivesse começado a correr dali eu não estaria mais vivo. Aquilo com certeza era O Um... Ele tentou me persuadir provavelmente, comecei a entender algumas palavras quando eu consegui sair das cavernas, fugi antes que a frase fizesse sentido. Quando saí me encontrei nas Ruínas Stardust e ali estava Djonga, me esperando – neste momento do relato Sabbath se lembrou do bilhete que acharam no monastério, ele os esperava mesmo ali – depois de um pequeno confronto, consegui fazer ele me responder três perguntas, mas só consegui dois fatos. 
- E quais são estes fatos – perguntou Makalister. 
Xamã engoliu, ainda não tinha falado estas palavras em voz alta, seu inimigo parecia não ter nenhuma razão no mundo para mentir, e com o relaxamento de seu corpo depois da batalha sua mente vibrava ao pensar na veracidade de tudo aquilo e da profana teoria que começava a se juntar. 
- Nós quatro nascemos aqui, naquelas mesas em um ritual de troca... Nós somos uma chave para alguma coisa ligada ao Um. 
Um horror existencial caiu sobre os três. 
Partes de uma troca... se fosse assim eles teriam de ter algo em comum, algo que os quatro compartilham. 
- Eu sei o que nós dividimos, o que temos em comum... Nossas vidas. Todos nós sofremos, cada um de sua maneira, mas sofremos, não só em busca de nossos objetivos, mas pelo mistério que essa montanha criou em nós. Somos atormentados, somos parte de um plano, parte de algo maior. 
A situação sofrera uma grande troca de perspectiva. Sentiam que não procuravam mais respostas, mas que as respostas viriam quando fosse o tempo certo e no local certo. Não sentiam que tinham se encontrado deliberadamente no pé da montanha, mas que uma grande teia de um louco plano os movia. 

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