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O caminho até a Falha estava sendo tranquilo, e Renton começava a suspeitar que estava tranquilo demais. A neve era menos funda no caminho de pedra que agora seguiam, do qual parecia estar muito mais conservado do que a trilha até a Vila Ramones. A paisagem não mudara muito, mas a frequência de árvores e arbustos tinha diminuído consideravelmente. 
- Você sabe que horas são? - perguntou Sabbath, pensando em como teria sido útil se ele tivesse prestado atenção nas aulas de geografia sobre translação. 
- Já é meio-dia, estamos aqui já faz mais ou menos seis horas. 
- Aquela tortura pareceu durar muito mais, huh... 
Sabbath apertou o local onde antes havia um dedo em sua mão. Makalister percebeu que sua situação e suas ações passadas podiam diminuir a dor e sofrimento que Sabbath escondia em si mesmo. 
- Eu sei como é, a dor fantasma - diminuíram um pouco o ritmo dos passos, a única coisa que se podiam ouvir eram eles mesmos adentrando mais o território desconhecido e misterioso  toda noite quando eu vou dormir eu paro de controlar o fluxo do meu sangue, e nesse momento ele tenta ir para as minhas pernas que não estão mais aqui, é... eu sei como é horrível conseguir sentir que tem alguma coisa ali, mesmo não tendo nada. Eu posso ter essas Reposições, mas eu não sinto nada delas... E o olho algumas vezes incomoda, mas não é nada parecido. 
Huh – respondeu ele, dando um pequeno sorriso – É... É horrível mesmo, eu o sinto ali, mas quando passo a mão não tem nada... Daqui a pouco me acostumo. 
- É - falou ela - Você se acostuma. 
Subiram alguns metros em silêncio quando Makalister decidiu voltar a conversar: 
- Nós estamos em um paradoxo não acha? - falou ela olhando para baixo vendo o caminho que já tinham feito. 
- Que tipo de paradoxo? - perguntou Sabbath, checando os cortes que tinha no rosto feitos pelo monge para ver se não tinham aberto. 
- Quanto mais subimos, mais fundo descemos – proferiu Makalister, vendo agora a jornada que ainda faltava completar até chegar nos portões - A cada local que chegamos, vamos mais fundo nos nossos passados e no passado do mundo, não lhe parece um paradoxo? 
- Olhando por esse lado, é um paradoxo sim – respondeu Sabbath – Um do qual nunca quisemos participar. 
- Com certeza – disse ela, vendo à distância um grande desfiladeiro que cortava parte da montanha – Com certeza... 
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A voz tinha começado a fazer sentido, seus murmúrios agora tinham se tornado em palavras, palavras que pareciam tentar persuadir a mente de Xamã, que tentava desesperadamente achar uma saída daquele inferno escuro. Tinha conseguido se distanciar dos darklings por mais alguns metros, mas tinha certeza que não iria aguentar muito mais tempo fazendo aquilo. Ele sabia o que tinha de fazer, mas a voz não o deixava concentrar. 
- QUE MERDAAAA! - gritou ele, sabendo que não faria diferença já que os darklings já estavam em perseguição, o que piorava drasticamente a audição deles.  
Quando pensou que tudo estava acabado, sentiu uma leve e fria brisa vindo dos túneis a sua frente. 
Nenhuma lágrima caiu dos olhos de Xamã, mas estava tão feliz a ponto de chorar ao ver uma fraca luz vindo de uma curva adiante que uma nova energia cresceu em seu corpo, disparou em direção a ela, buscando voltar a superfície gelada, voltar a ver seu grupo. 
A luz cegou-o por alguns segundos, e quando voltou a ver se assustou com a paisagem ao seu redor. Primeiramente viu pedras, empilhadas formando construções que claramente não obedeciam a nenhum tipo de arquitetura humana conhecida, aqueles tipos de torres e supostas casas destruídas e abatidas pelos éons só poderiam ser de uma coisa: Anteriores. 
O máximo de informação que a humanidade tem sobre os Anteriores é que eles existiram e desapareceram antes de nós, alguns pequenos pedaços de suas construções foram encontrados em lugares remotos (África, Groelândia, Antárctica, Seychelles e outros locais) e não foi possível organizar qualquer tipo de forma corporal já que nunca acharam sequer uma poeira de osso, o que deixa tudo mais bizarro. Naquele ponto, nada mais impressionava Xamã, tinha se tornado o descobridor mais importante da década de 14 em apenas algumas horas, e nunca tinha estudado para aquilo. Ele só precisava catalogar o que tinha visto e dinheiro nunca mais seria problema. 
Segundamente percebeu o frio novamente, o vento forte esvoaçando seu longo cabelo e começando a rachar sua boca. Sempre gostou de visitar os Alpes no inverno e ficar dentro de um quarto com a lareira acesa, vários cobertores e um chocolate quente, mas dessa vez sentia um frio diferente, não lhe parecia de nenhuma maneira convidativo, parecia que o mandava fugir dali rapidamente. No topo de o que restava das construções se acumulava um pouco de neve e poucas plantas tentaram reconquistar o lugar que os Anteriores tinham feito na montanha. Notou que a caverna saia no meio do local, estava literalmente rodeado pelo desconhecido. Elas pareciam ter sido criadas ao redor dali, como se os Anteriores soubessem algo a mais que nós. Xamã claramente estava nas Ruínas Stardust, mas não sozinho. 
- Nossa. 
Xamã estremeceu. 
- Não pensei que alguém conseguiria fugir dos darklings e subir a montanha ao mesmo tempo, é só você amigo? - Uma figura apareceu do meio das construções, trajava uma roupa de algodão carmesim longa, as pontas de seu casaco vermelho se encontravam sujas de neve e escondia seu rosto com um grande capuz, ao ver que ele estava de pé descalço Xamã lembrou do relato de Sabbath, alguém tinha destruído a ponte sozinho. O inimigo que se aproximava agora andava descalço no inverno, o que provou imediatamente que suas pernas não eram de verdade. Ele usava de Reposições. 
- Você deve ter chegado à conclusão que eu uso de Reposições em minhas pernas correto? - Xamã alcançava seu revólver veja melhor – a figura jogou seu casaco para cima, fazendo-o se perder nos ventos da montanha. Ao ver seu inimigo Xamã desejou nunca ter saído naquele lugar. 
Não eram apenas as pernas que perdiam sua coloração de pele para um cromado, mas seus braços - recém-revelados - também. Com uma troca tão grande dessas, ele... 
- Eu me chamo Djonga – falou o homem revelando seu rosto, uma pele morena e olhos vermelhos onde giravam estrelas de quatro pontas fitavam Xamã diretamente – E temo lhe dizer que você está em uma propriedade privada, o que me dá direito de decidir seu julgamento. 
Xamã aponta sua Extensão para ele, das mãos se exala uma fumaça negra e seus olhos se tornam negros com estrelas de quatro pontas brancas girando dentro deles. Dessa vez, correr não era opção, ele teria de derrotar Djonga ali mesmo, ou na pior das hipóteses tinha que conseguir tempo para que houvesse uma chance dos outros conseguirem chegar nas Ruínas para ajudá-lo. 
Óóóóóóó - falou Djonga em tom de desdém - Um Darkmancer com uma Extensão? Faz muito tempo que não brigo com alguém assim. 
A tensão cresceu. Pequenas chamas piscavam nas mãos de Djonga e Xamã puxou o cão. 

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